data-filename="retriever" style="width: 100%;">Há 180 dias, me encontro dentro de casa. As únicas saídas são para descartar resíduos. Terça-feira, recicláveis. Sexta-feira, rejeitos. As compras são recebidas na porta: frutas, verduras e outros produtos.
O isolamento preventivo é um ato de cuidado pessoal, mas também uma atitude cívica. Cívica por evitar a ocupação das estruturas de saúde, pois há atividades essenciais que não podem parar. Evitar saídas desnecessárias é dever de todos. É empatia. É sentimento de coletividade. Vale seis meses não significa vida não vivida.
Os tempos ficaram diferentes. A vida ficou mais silenciosa, séria e virtual. Vale seis meses é um crédito de abraços não dados e não recebidos; de risadas contidas e sem eco; de saudades; de brindes sem tim tim; de caminhadas longe da natureza; da falta de aplausos e lágrimas de emoção nos espetáculos culturais em companhia da filha; da ausência do sol junto ao mar para energizar o espírito. Vale seis meses é um requerimento ao compartilhamento, às trocas, ao colorido do cabelo, às conversas e ao calor dos toques e dos abraços.
Estão sendo dias de intenso exercício para manter, sobretudo, a saúde mental. Exercícios pela paz, pela alegria, pela motivação diária e pelo sono tranquilo a cada noite. Tem sido tempos de insônia, sono agitado e sonhos assombrados pelo medo de um inimigo invisível, desconhecido e fatal. Tempos de superação. Tempos de reinvenções e descobertas. Descoberta de um tempo de estar a maior parte, consigo mesma, de deixar a vaidade de lado para cuidar da beleza interior, de inventar penteado para o cabelo sem corte e sem cor, de rir e chorar de saudade, de apaziguar o medo e a incerteza, de ouvir rádio e podcast para ter vozes em volta, de escrever para dialogar com a memória, de cultivar a solidariedade, a resignação e a empatia, de inventar na cozinha usando elementos e plantas não convencionais.
Tempos de trabalhos manuais - "nossas mãos são antenas da alma". Bordar apazigua a minha alma, a saudade. Os bordados eternizam lembranças e minimizam as ausências. Tempos de repensar o consumo. Escolhas são atos políticos. Mais do que nunca devem ser exercidos. Reduzir alimentos processados, carne vermelha. Comprar de pequenos produtores locais. Tempos de mais aproximação com a natureza. O homem se desconectou desta teia.
No meu canto, centenas de passarinhos me visitam todos os dias. Retribuem com alegria, cores, cânticos e movimentos, a quirera e as frutas ofertadas. As plantas crescem agradecendo os cuidados. Temperam pratos, embelezam e perfumam os espaços. São presença.
O isolamento tem sido um convite à reflexão e ao recolhimento, enquanto a vida pulsa para outras espécies. Tempos de reflexão crítica e infindável para entender o momento esquisito. Vale seis meses é o resgate do tempo requisitado à superação, à saudade, à ausência, ao refúgio, mas também tem sido um tempo de valorizar a vida ainda mais.